terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A mística através do absurdo... muito além das bicletas brancas

01111000111 Para todos aqueles bem familiarizados com os ambientes de transformações culturais e manifestações da juventude ocorridas a partir da década de 1960, principalmente na sua segunda metade, o nome Provos deve sugerir uma imagem bem representativa desta época histórica.

Holanda, ano de 1965. Os Provos foi um grupo de indivíduos bem diferentes entre si, agregando em uma mesma massa revolucionária dissidentes políticos, cabeludos, místicos, mágicos, artistas performáticos, pintores, músicos, estudantes e qualquer outro sujeito que enxergasse ali uma oportunidade de se manifestar livremente a favor de um modo de vida que se diferenciasse do padronizado pela tradicional e rígida sociedade holandesa, que naquele tempo ainda vivia numa retrógrada e anacrônica monarquia.

Apesar de ter sido obscurecido pela maioria dos responsáveis pela documentação e estudos sobre os movimentos de contracultura ao redor do mundo (a grande maioria focada nas manifestações ocorridas nos Estados Unidos e países de língua inglesa, onde destacaram-se os Beatles, Bob Dylan, os Rollings Stones, hippies, etc.), principalmente pelo fato de todos os seus manifestos, expressões e documentos terem sido escritos na pouco difundida mundialmente língua holandesa, foi ali naquele pequeno país europeu, mais precisamente na cidade portuária de Amsterdam, que houve pela primeira vez na história uma convergência especial de forças, desejos e um espírito de liberdade juvenil que deu origem a este corpo autenticamente revolucionário.



O grupo se reuniu, agiu e se auto-dissolveu num curtíssimo período de tempo, mas deixou profundas marcas e balançou como um terremoto as estruturas daquela sociedade, e mais adiante do mundo. Foram também os primeiros a empregar o conceito de ecologia em suas manifestações, além de muitos outros.

O nome Provos foi utilizado pela primeira vez por um pesquisador acadêmico que tentou desvendar e explicar um fenômeno bastante comum entre alguns grupos de jovens que praticavam a violência gratuita curiosamente em um período de grande avanço econômico do capitalismo pela Europa, conhecido também como os “anos dourados”. Comportamento que seria justificado pelo tédio e o sentimento de não participação dos sujeitos numa sociedade em que tudo gira em torno do consumo de bens materiais e de um modo de vida muitas vezes percebido como apático e sem graça.

Um dos membros desta nova entidade, que ainda não possuía uma identificação simbólica para agregar todos os seus participantes, achou neste trabalho acadêmico o nome "Provos", que poderia fornecer uma unidade a este movimento que crescia a cada dia, tomando uma forma cada vez mais provocadora e contestadora, e plenamente inovadora: Eram completamente pacifistas e não se utilizavam de métodos violentos, e sim do bom-humor, da imaginação, das extravagâncias, da loucura, da festa, da psicodelia ou qualquer tipo de comportamento bizarro e lúdico. Tudo isso muito bem sintonizado com os acontecimentos políticos daquele momento.

Os Provos realizaram diversos planos e ações práticas para criticar e subverter a ordem estabelecida. Não aceitavam lideranças artificialmente impostas, e tinham na ação direta e na desobediência civil os motes que guiavam suas atitudes.

Foram os precursores dos primeiros happenings, que se tornaram a base de todas as manifestações públicas do movimento, envolvendo todas as formas de expressão artística para uma reviravolta da vida cotidiana, sempre com uma preocupação política maior. Fora o momento de transição de uma subcultura “underground” para a contracultura.

Muitos happenings Provos tornaram-se célebres, como as reuniões da religião anti-tabaco realizadas numa propriedade abandonada, a transformação da casa de um dos artistas do grupo em pista de patinação no gelo, a auto trepanação (pequena cirurgia de abertura na parte frontal do cranio) realizada por um dos membros do grupo, com o propósito de expansão permanente e natural da consciência sem o uso de drogas, entre muitos outros acontecimentos. A maior parte deles eram realizados a noite nas praças publicas no centro de Amsterdam, que causavam muita curiosidade, simpatia, transe e histeria coletiva.

Os happenings Provos de maior sucesso seguramente ocorreram durante as eleições municipais, onde o grupo concorreu a uma cadeira na assembléia municipal de Amsterdam. Realizaram as mais hilárias e criativas propagandas políticas, com muitas cores, zombarias e deboches. Conquistaram um considerável número de votos e uma das cadeiras na assembléia para um período de cinco anos. Não seria necessário dizer que a partir deste momento os caóticos happenings se transferiram para dentro das assembléias públicas, causando indignação e frenesi popular.

Os Provos não se transformaram num partido político, mas exerceram uma participação fundamental nesta esfera e que transformou para sempre não apenas as práticas políticas, mas também a cultura de Amsterdam. Uma atmosfera de tolerância e absorção da novidade foi conquistada pelo movimento, incluindo-se nisso a legalização de substâncias psicoativas como o LSD e a maconha em areas determinadas para este uso.

Talvez o mais famoso dos planos concebido pelos Provos tenha sido o ato da coletivização das bicicletas na cidade, também conhecido como o “plano das bicletas brancas”. Consistiu numa ação de pintar com tinta branca algumas bicicletas particulares doadas pelos membros do grupo e pelos simpatizantes do plano. A partir daquele momento as bicletas pintadas seriam de uso público e livre para deslocamento pela cidade. Um ato que já sinalizava uma consciência avançada e completamente oposta ao pensamento vigente da sociedade naquela época, que hipervalorizava o automóvel resultando num processo de individualização constante do espaço público vital, que colaborou a tornar as ruas da cidade muitas vezes intransitáveis e hostis.

Para o Provos, o ato de andar de bicleta transcendia a simples utilidade do objeto de deslocamento e transporte. Eles consideravam o ato de pedalar como um movimento vital, uma autêntica oração e comunhão entre o ciclista e a cidade. Uma atividade que gera uma energia cíclica e renovadora para o espaço urbano e seus moradores através do movimento circular pelas ruas, livres também dos poluentes lançados pelos automóveis.01010101010101111